JORNAL DO COMMERCIO: Pernambuco tem a pior cobertura da atenção básica à saúde do Nordeste, aponta IEPS

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Futuro governador do Estado precisa não apenas reconhecer os problemas do setor, mas se mobilizar para sanar as chagas da saúde pública abertas pelas precárias condições de atendimento à população

Por Cinthia Leite

Não restam dúvidas de que a tarefa de casa do próximo governador de Pernambuco deve começar por um reordenamento do modelo de assistência à saúde do Estado.

A Agenda Mais SUS, projeto do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e da Umane, revela que Pernambuco assume a 15ª posição no ranking de cobertura de atenção primária à saúde (APS), em comparação com outras unidades federativas.

O levantamento da instituição identifica os principais desafios enfrentados pelo sistema de saúde brasileiro, que se vê diante da necessidade de se preparar para um futuro desafiador.

O trabalho do IEPS também desponta com o objetivo de contribuir com o debate político eleitoral, ao apresentar propostas para o aprimoramento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Ao JC, o IEPS apresentou um recorte estadual de indicadores do setor. Segundo o levantamento do instituto, a cobertura da APS em Pernambuco cresceu na última década. Em 2010, a taxa era de 72%. Dez anos depois, 82% – um crescimento de dez pontos percentuais.

Ainda assim, em comparação com os demais Estados do Nordeste, Pernambuco encontra-se com uma taxa aquém do ideal, com o menor índice de cobertura quando comparado a seus pares.

Em primeiro lugar na cobertura, está Piauí, com 99%, seguido pela Paraíba (98%), Sergipe (93%), Ceará e Maranhão (empatados com 88%), Rio Grande do Norte (86%), Bahia (84,3%), Alagoas (83,6%) e Pernambuco (82%).

Governo Paulo Câmara promete terminar gestão com R$ 222,5 milhões investidos em atenção básica à saúde

Questionada sobre a sobrecarga do setor, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) informou ao JC que, “para qualificar a atenção básica nos municípios pernambucanos, o governador Paulo Câmara anunciou, no início de maio, repasses às redes municipais de saúde dos 184 municípios de Pernambuco, além do Arquipélago de Fernando de Noronha”.

Os recursos, de acordo com a SES, são destinados a quatro políticas estratégicas, por intermédio dos programas de cofinanciamento.

“Até o fim deste ano, o valor total investido será de R$ 222,5 milhões para que as prefeituras reforcem suas redes de atenção, prestando serviço mais resolutivo e de melhor qualidade à população.”

Sim, também é da alçada do governador cuidar da atenção primária à saúde (APS) – conhecida como atenção básica. A ele compete, entre outras atribuições, participar efetivamente na qualificação da APS em parceria com os municípios.

O problema apontado pelo levantamento do IEPS é que os recursos destinados à APS, nos últimos anos, têm se mostrado insuficientes para cobrir a atual necessidade de serviços.

Sabemos que as feridas e as dores vividas na Saúde de Pernambuco foram escancaradas com a maior crise sanitária em escala global deste século. A pandemia de covid-19 magnifica as tensões e os problemas que só aumentam, ao longo do tempo, no SUS.

Foi jogada luz a uma deficiência na estrutura física dos equipamentos de saúde (postos, unidades de pronto atendimento e hospitais), à falta de disponibilidade de materiais, equipamentos e medicamentos, como também à carência e à distribuição de profissionais.

E o futuro governador do Estado precisa não apenas reconhecer os problemas do setor, mas se mobilizar para sanar as chagas da saúde pública abertas pelas precárias condições de atendimento à população.

De acordo com a plataforma E-Gestor AB, do Ministério da Saúde, estima-se que aproximadamente 50 milhões de brasileiros ainda não estão cobertos por serviços da atenção básica. Desse total, 1,7 milhões estão em Pernambuco, o que representa 3,4% da população descoberta pela APS.

Ou seja, sem uma porta de fácil acesso a unidades e profissionais de saúde que trabalhem na prevenção de doenças, no diagnóstico, tratamento e reabilitação.

“O nosso Estado precisa de uma política pública indutora de uma atenção primária de qualidade. Somente dessa maneira, haverá impacto na prevenção e no controle de doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, cujo agravamento levam à maioria dos problemas de saúde nos hospitais”, acredita o médico sanitarista Tiago Feitosa de Oliveira, professor do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Na visão dele, não adianta o governo estadual investir recursos na criação de mais leitos de terapia intensiva (UTI) ou de mais hospitais.

O que se faz essencialmente necessário, ao futuro governador, é enfrentar o esgotamento da assistência hospitalar estadual, que tem como origem um modelo de atenção focado na remediação da doença já instalada, ao invés de se envolver com caminhos efetivos de prevenção.

Nesse raciocínio, o estudo do IEPS aponta que ampliar o investimento é condição necessária para melhorar o sistema público de saúde, mas só isso não é o suficiente.

É preciso que existam também modelos efetivos de financiamento, governança e gestão, assim como uma ação intensa de qualificação da força de trabalho.

Com esse olhar, para ampliar a atenção básica no SUS, o futuro governador de Pernambuco precisa seguir, de mãos dadas com os gestores municipais, na cola da Estratégia Saúde da Família (ESF), modelo que já se mostrou eficaz porque chega até quem mais precisa de cuidados.

Mas infelizmente, desde a PNAB 2017 (Política Nacional de Atenção Básica), a ESF tem sofrido redução de financiamento, com diminuição do número de agentes comunitários de saúde (ACS) e aumento da sobrecarga laboral antes mesmo da pandemia de covid-19.

“A Estratégia Saúde da Família (ESF) precisa cobrir 100% do território pernambucano, pois é ela a porta de entrada para hierarquizar a assistência à saúde no Estado e organizar as demandas”, frisa a médica epidemiologista Ana Brito, pesquisadora da Fiocruz Pernambuco.

Ou seja, com esse depoimento, Ana Brito faz um chamado para que as autoridades passem a reconhecer que a ESF é capaz de indicar a rota que os pacientes precisam seguir, a fim de cuidar de problemas de saúde que, aparentemente, podem ser simples de ser resolvidos, mas que, por falhas na condução, podem levar meses e anos para ser tratados.

Fonte: Jornal do Commercio